O Frade e o Colportor - Mary Schultze

Em seu maravilhoso livro "Aventuras com a Bíblia no Brasil", o Pr. F.C. Glass conta muitas histórias interessantes, das quais resumimos esta para vocês.

Januário, nosso colportor, encaminhou-se para a estação de Gameleira, com a intenção de oferecer os seus livros aos passageiros, querendo aproveitar aquela oportunidade valiosa.

Frei Afonso, um frade bastante conhecido na região, havia concluído ali uma "santa missão", e estava partindo naquele trem. Uma grande aglomeração de “fiéis” se reunira na estação para vê-lo partir. Frei Afonso era inimigo declarado do Evangelho, grande perseguidor do mesmo e muito orgulhoso de suas atitudes.

Habitualmente a parada do trem em cada estação era limitada a uns cinco minutos, mas naquela manhã houve um atraso inesperado, o qual deu ao nosso vendedor de bíblias tempo suficiente para aproximar-se e oferecer as Escrituras, percorrendo na plataforma toda a extensão do trem.

De repente, ele encontrou-se com o corpulento frade, de coroinha bem raspada e longas vestes marrons. Estava debruçado na janela do trem, dando a bênção final de despedida a uma multidão de bons católicos.

Existe uma regra entre os colportores. Quando surge uma oportunidade de distribuição, quer se trate de um príncipe ou de um mendigo, todos devem ter o mesmo direito. Por isso, Januário encaminhou-se respeitosamente para a janela, oferecendo ao frade um exemplar da Bíblia.

A oferta teve o mesmo efeito de um pano vermelho colocado diante de um touro bravio. O astuto representante de Roma, julgando que o trem estava prestes a sair, atirou contra o livro e o seu humilde vendedor, injúrias terrivelmente venenosas e ofensivas. Eram palavras especialmente escolhidas para desacreditar publicamente o colportor diante do povo ali reunido, deixando-o desmoralizado, exatamente quando o trem estaria saindo e não lhe seria possível defender-se, enquanto o frade seguiria a viagem sob uma gloriosa vitória.

"Retire daqui esse material imundo! Atire-o às chamas!" gritava o frade, "É um livro protestante, falso e proibido pela Igreja Mãe, por ser muito pernicioso para a verdadeira crença católica apostólica romana. O Sr. devia estar envergonhado de si mesmo. Proíbo expressamente a venda desses livros nesta cidade. Para longe daqui com todos esses livros pestilentos. Que sejam todos eles queimados. Façam com eles uma fogueira!"

O frade fez uma pausa para se recuperar. Viu, então, que havia errado os cálculos. O trem continuava parado, devido a um imprevisto. Todos os esforços que empreendera para prejudicar e ridicularizar o vendedor de bíblias tinham servido, unicamente, para atrair uma grande multidão de católicos para perto da janela do vagão, de onde ele falara. Entrementes, todos olhavam para Januário, como se este fosse um verdadeiro demônio disfarçado.

Erguendo suficientemente a voz, o vendedor de bíblias respondeu: "Suas palavras são muito estranhas, partindo de alguém que se autodenomina um ministro de Deus. Será que este livro não é a Bíblia, a Palavra de Deus, que nos mostra o caminho da salvação?"

"Não! Absolutamente não! Esse é um livro falsificado e mentiroso. Deve ser queimado", respondeu o frade, cheio de cólera.

"Ora! o Sr. mesmo conhece a verdade", foi a resposta de Januário. Escutem agora com atenção, todos os que nos cercam. Abrindo a Bíblia e encontrando rapidamente o Livro de Mateus, capítulo 16, leu, em voz alta e nítida, a partir do versículo dezoito. Em seguida, dirigindo-se ao padre, indagou: "Diga-me agora, reverendo, se o que acabo de ler é verdade ou mentira. Não foi exatamente isso o que aconteceu?"

Muito atrapalhado com o rumo que a discussão ia tomando e detestando a situação, o sacerdote foi forçado a responder: "Sem dúvida! Certamente foi o que aconteceu. O que leu é realmente verdade, mas o seu livro é falso".

Colocando a Bíblia nas mãos do frade, mesmo contra a vontade do mesmo, Januário exclamou: -"Tudo neste livro, até a menor parcela do que nele está escrito, está contido em sua própria Bíblia, caso o Sr. possua um exemplar. Meu patrão oferece vinte e cinco mil réis a qualquer pessoa que indique uma só falsificação no conteúdo deste livro..."

Frei Afonso começou, desajeitadamente, a folhear as páginas da Bíblia. Era, sem dúvida, a primeira vez que suas mãos a seguravam. Nesse ínterim, a atitude do povo começava a alarmá-lo.

"Ora, ora, Não vejo aqui a aprovação do bispo", foi o comentário que ele fez sobre o livro.

O vendedor de bíblias insistiu: "Mas o que foi lido é a verdade? Jesus Cristo veio realmente para nos salvar de nossos pecados? Ele conseguiu livrar-nos?"

O embaraço do frade tornara-se por demais visível. (Esse trem não iria partir?) Todos os presentes aguardavam ansiosamente a resposta do mesmo. "Bem, é realmente assim, mas onde se encontra a aprovação do Papa neste livro?"

O colportor respondeu, tranqüilamente: "Se o que li é a verdade, esse fato por si mesmo é uma aprovação suficiente do livro que contém o trecho citado. Onde está a sinceridade da “pseudo-aprovação”, uma vez que a sua igreja proíbe a leitura do mesmo, quer seja aprovado ou não? Do que o povo necessita é que lhe ensinem a Verdade, que é a Palavra de Deus. A ignorância aniquila o vivente, mas a verdade pode fazer o morto ressurgir. Por que os senhores não querem dar ao povo a Verdade?"

A multidão enchia agora a plataforma, porque a notícia da discussão havia se espalhado pelas ruas adjacentes. Houve ainda alguma troca de palavras entre os dois antagonistas e o frade, nada mais podendo dizer, assentou-se com um sorriso de desânimo nos lábios. Januário, afastou-se da janela do trem, e dirigiu-se à grande e simpática aglomeração de pessoas, que havia assistido ao debate, falando-lhe durante uns quinze minutos, enquanto o frade, oprimido e sufocado dentro da batina, permanecia mudo diante da força da Palavra de Deus. Foi então que o trem deixou a estação, entre nuvens de vapor... (Leiam Zacarias 4:6).

Mary Schultze - 09/04/02